Sistema Plantio Direto com qualidade: a importância do uso de plantas de cobertura num planejamento cultural estratégico

Garibaldi Batista de Medeiros1 & Ademir Calegari2
1MSc em solos, pesquisador voluntário do Iapar, Londrina, PR
2Dr. em solos, pesquisador do Iapar, Londrina, PR

Fonte:Revista Plantio Direto, edição 102, novembro/dezembro de 2007.

O Iapar – Instituto Agronômico do Paraná e a Itaipu Binacional executaram, a partir de 1999, projeto para promover o sistema de plantio direto (SPD) com qualidade como estratégia para minimizar a degradação do solo agrícola e os riscos de assoreamento dos cursos d’água em áreas lindeiras ao reservatório de Itaipu.

A partir de 2004, iniciou-se a implantação de Unidades de Teste e Validação (UTVs) de plantio direto em sistema de produção orgânico, com estratégias de máxima produção de cobertura do solo, minimização da infestação de plantas invasoras, rotação de culturas, adaptações em semeadoras adubadoras de plantio direto para menor mobilização do solo e melhor aterramento, além da utilização de equipamentos para manejo da cobertura.

 Aveia Preta + Nabo Forrageiro IPR-116

Ressalta-se que se o SPD já é uma prática eminentemente conservacionista, o SPD orgânico seria, no entender de muitos especialistas, a alternativa mais ecológica que teríamos para a exploração agrícola. Desta forma, podemos avaliar o desafio que enfrentamos em participar de um projeto com este propósito.

Retrospectiva do uso do solo da agricultura tropical e sub-tropical especificamente no Brasil e o impacto nos indicadores ambientais

Ao longo da ocupação do grande território brasileiro no qual havia muitas florestas, ocorreu grande desmatamento e em seguida praticou-se uma agricultura onde não se respeitou a aptidão agrícola do solo. Em virtude disso e das fortes precipitações características das áreas tropicais e subtropicais, os solos ocupados por sistemas de produção de culturas anuais com pouca cobertura do solo foram intensamente erodidos. Não havia a preocupação quanto a sustentabilidade dos recursos naturais, e pouca visão sobre este tema. Portanto, essa estratégia era destruidora e levava conseqüentemente a perda do potencial produtivo dos solos, estimulando a migração para novas áreas na qual dava-se seqüência ao mesmo processo, repetindo-se as situações anteriores. Lamentavelmente, em muitas áreas da fronteira agrícola do país atualmente, pratica-se a mesma estratégia predatória. Os impactos foram: a erosão dos solos; redução da matéria orgânica; desequilíbrio físico, químico e biológico; redução da capacidade de retenção de água; aprofundamento do lençol freático, além da diminuição da produtividade das culturas.

Aveia Preta + Ervilhaca Comum

Para as áreas tradicionais de produção de grãos do país, dispõe-se atualmente de tecnologias que promovem a recuperação do solo e possibilita a adoção de sistemas de produção sustentáveis no qual, recupera-se a estrutura do solo, os teores de matéria orgânica, reduz sensivelmente a erosão, o custo de produção e consegue-se a melhoria dos indicadores ambientais, principalmente da qualidade da água e dos alimentos, com o conseqüente aumento da renda líquida dos produtores.

Contribuição do sistema plantio direto e o que é plantio direto com qualidade.

O sistema plantio direto contribuiu fortemente para: eliminar a erosão do solo; reduzir o consumo de combustível; recuperar suas propriedades físicas, químicas e biológicas; reduzir o intervalo de semeadura das culturas; maior eficiência no aproveitamento dos nutrientes e evolução do nível técnico do produtor.

Os produtores praticam na sua maioria um sistema plantio direto parcial e caminham para o SPD com qualidade. Os fundamentos do SPD com qualidade pressupõem:

• Revolvimento mínimo do solo;

• Manter o solo permanentemente coberto por palha e culturas;

Planejamento cultural estratégico da propriedade com culturas para renda e uso de plantas de cobertura que podem também oferecer rendimentos em curto prazo.

O tempo necessário para os produtores atingirem o SPD com qualidade depende de vários fatores:

Exercitar um planejamento mínimo de três anos para a implantação de seqüência de culturas nas glebas da propriedade.

Dispor de assistência técnica por um período suficiente no qual seria realizada a conversão do SPD parcial para o SPD com qualidade.

Adotar um novo enfoque de análise dos resultados da propriedade, baseado no potencial econômico da rotação e não somente na contribuição das culturas isoladamente.

Inicialmente deve-se ter um bom diagnóstico dos atributos do solo: químicos, físicos e biológicos. Assim, caso ocorra compactação do solo, deve-se eliminar esta limitação física com plantas de cobertura de raízes forte (guandu, tremoço, etc.) ou com escarificador.

Se houver problemas de acidez elevada ou mesmo presença de alumínio tóxico, deve se fazer correção através da calagem e, de preferência incorporar bem para que possa reagir com as partículas de solo, corrigindo em profundidade (0-20cm). Após isso, caso haja deficiência de algum nutriente deve ser corrigido através de adubação química ou orgânica.

Assim a cobertura do solo, ou a manutenção da palhada sobre o terreno é fundamental para iniciar adequadamente o SPD, buscando ajustar a seqüência adequada das culturas para alcançar os benefícios e vantagens do sistema o mais rápido possível.

No Quadro 1 são apresentados os principais modelos físicos validados na região dos municípios lindeiros à represa de Itaipu no período de 1999 a 2003.

Quadro 1. Principais modelos físicos validados na região dos municípios lindeiros à represa de Itaipu no período de 1999 a 2003.

O uso de plantas de cobertura nas rotações em plantio direto dão bons resultados econômicos

O planejamento cultural estratégico pressupõe que num mesmo ano agrícola estejam presentes na propriedade culturas para cobertura do solo e culturas para colheita de grãos, que deixam resíduos culturais, os quais servirão para cobertura no ciclo de produção seguinte. Nem sempre a cultura de inverno é lucrativa, pois, o milho safrinha, por exemplo, tem riscos como geada e seca, o trigo, por sua vez, tem riscos fitossanitários, climáticos e indefinição de preços associado aos altos custos de produção. Assim, a cultura da aveia, quer seja para colheita de grãos ou somente para cobertura, pode representar 10 a 15 sacos de soja a mais na safra seguinte, tendo-se como indicador a margem bruta (renda bruta – custos variáveis) pela redução do custo de produção e aumento da produtividade da soja. Para os produtores que usam a integração lavoura com a produção animal, a aveia pode ser consumida pelos animais em pastejo ou na forma de grãos. A braquiaria pode ser estabelecida em sobressemeadura das culturas de verão e milho safrinha, com aproveitamento para pastejo e melhoria de cobertura do solo. Os próprios estudos realizados na região dos municípios lindeiros comprovaram que o uso de plantas de cobertura de inverno proporcionarou rendimentos não inferiores a sucessão soja com milho safrinha.

Estima-se que apenas no Sul do Brasil há mais de 3,5 milhões de hectares, principalmente com aveia preta, que é largamente usada no RS e SC. No Paraná essa cultura é também usada como forrageira para pastejo dos animais.

As espécies mais usadas são: aveia preta, nabo forrageiro, ervilhacas (comum, peluda), centeio, tremoço branco. Além disso, os pequenos agricultores usam, principalmente em áreas montanhosas, mucunas, guandus e crotalarias.

Na verdade, a melhoria do solo e os efeitos residuais das PC geralmente repercutem nos rendimentos das culturas subseqüentes, assim como na redução dos custos de produção (diminuição do uso de insumos), que em geral é pouco perceptível e pouco quantificada pelos agricultores, os quais preferem resultados imediatos. Por isto, muitos dizem que PC não dá lucro. Além disso, a produção de sementes destas plantas também é uma atividade interessante, pois além de melhorar as propriedades do solo, contribuem para diversificar a renda da propriedade. O uso de diferentes plantas tem contribuído significativamente para redução de ervas daninhas, pragas, nematóides e doenças, além de melhorar a disponibilidade de nutrientes no solo.

A Figura 1 mostra que, em produtores dos municípios lindeiros à represa de Itaipu, na média de três anos com os sistemas soja e milho safrinha, e soja com plantas de cobertura de inverno, a margem bruta da soja foi quase duplicada, devido a diminuição do custo de produção e o aumento na produtividade da cultura. Considerando a análise da rotação como um todo, a margem bruta dos dois sistemas foi semelhante. Considera-se que a partir deste período é que as vantagens de usar as PC na rotação começam realmente a resultar em melhorias do solo e da biodiversidade. Assim, pode-se dizer com este e muitos outros dados disponíveis que PC não dão prejuízo, como muitos pensam.

Figura 1. Margem Bruta da cultura de soja e da rotação/sucessão soja/plantas de cobertura e soja/milho safrinha.

Economia de água no solo e no aumento da produtividade das culturas em área com cobertura.

A palhada sobre o solo, ou a cobertura com resíduos é essencial para preservar e melhorar os atributos físicos, químicos e biológicos do solo. No SPD, as raízes das plantas de cobertura ao se decomporem deixarão canais no solo que por sua vez irão atuar positivamente na infiltração de água no solo, que pode ser de 20 a 60% superior a do sistema de preparo convencional, conforme tipo de solo, estrutura e seqüência de culturas (rotação). O solo mantido coberto com resíduos vegetais irá evitar as perdas de água por evaporação e, com isso, este sistema irá ter mais água armazenada no perfil do solo. O aumento gradativo da matéria orgânica ao longo dos anos, irá também aumentar o potencial de armazenamento de água no solo.

Os efeitos favoráveis da cobertura nas propriedades do solo contribuirão para aumento dos rendimentos das culturas posteriores em relação às áreas sem cobertura ou em sistema convencional (solo preparado). Neste caso pode ocorrer aumento significativo nos rendimentos físicos das culturas, além da diminuição dos custos de produção, apresentando vantagens ao sistema de plantio direto.

A Figura 2 mostra o aumento da produtividade de soja em função da maior cobertura com palha logo após a semeadura em plantio direto. O ano agrícola 2003/04 foi seco e na média das propriedades estudadas dos municípios lindeiros à represa de Itaipu ficou claro que onde a palha foi mais conservada, principalmente pela menor perda de água do solo, a produtividade da soja foi maior. Observa-se, também, que neste caso as lavouras com menor população de plantas por metro quadrado também apresentaram maior produtividade, por melhor explorar a água disponível.

Figura 2. Aumento da produtividade de soja em função da maior cobertura com palha logo após a semeadura em plantio direto.

Plantas de cobertura mais apropriadas para cobrir espaços (janelas) entre as culturas comerciais.

As plantas de cobertura de ciclo curto e de rápido crescimento são as mais indicadas. É o caso das espécies de primavera/verão: Setaria itálica (capim moha), Crotalaria juncea, e de outono/inverno: ervilha forrageira, nabo forrageiro, etc. Devendo sempre seguir as orientações de seqüências/rotações mais indicadas.

Uso de consórcio de plantas de cobertura.

O uso de consórcio ou associação de plantas, ou mesmo coquetel de plantas (2, 3 ou mais espécies) é recomendável em razão da maior diversificação promovida, por reunir as vantagens/benefícios de diversas plantas ao mesmo tempo. Caso ocorra seca, ou mesmo ataque de pragas/doenças, normalmente o coquetel fica menos susceptível porque pelo menos algumas plantas poderão se desenvolver. O sistema radicular diferenciado, explorando diferentes camadas do perfil do solo, reciclando diferencialmente os nutrientes e promovendo efeitos diversos no solo, devido a produção de diferentes tipos de ácidos orgânicos, tende a promover melhores efeitos nos atributos químicos, físicos e biológicos do solo.

Geralmente o manejo pode ser feito com rolo-faca e complementado com herbicidas. Existem várias opções, conforme as condições regionais de clima, solo, sistema de produção e interesse do produtor. Algumas opções de combinação de espécies de outono/inverno:

• Aveia preta (20-25 kg/ha) + Ervilha forrageira (40-45 kg/ha)

• Aveia preta (20-25 kg/ha) + Tremoço (branco e azul) (50- 70 kg/ha)

• Aveia preta (20-25 kg/ha) + Ervilhaca (peluda e comum) (40-45 kg/ha)

• Aveia preta (20-25 kg/ha) + Nabo forrageiro (10Kg/ha)

• Aveia preta (15-20 kg/ha) + Ervilha forrageira (25-30kg/ha) + Nabo (5-8 kg/ha).

• Aveia preta (15 kg/ha) + Ervilha forrageira (25 kg/ha) + Nabo (5 kg/ha) + Ervilhaca comum (20-25 kg/ha).

Aveia preta (15 kg/ha) + Tremoço branco (25-30 kg/ha) + Nabo (5 kg/ha) + Ervilhaca comum (20-25 kg/ha).

As quantidades de aveia preta são para a cultivar Iapar-61 que tem ciclo longo e maior potencial de produção de massa, caso seja aveia preta comum, aumentar em 50% a quantidade de sementes recomendada.

As espécies de primavera/verão podem ser: mucunas, guandu, milheto, sorgo forrageiro, crotalarias, etc., combinadas entre si.

Normalmente as espécies de outono/inverno poderão ser semeadas a lanço, aos 35-40 dias após a semeadura do milho ou sorgo (safrinha), enquanto no milho de safra normal, as espécies possíveis de consorciação são as de primavera/verão.

Um bom exemplo de plantas de cobertura em consórcio foi obtido na propriedade de Aldecir Terol de Santa Helena no inverno de 2000 (Figuras 3 e 4), produzindo 8 toneladas de matéria seca de aveia preta, nabo pivotante e ervilha forrageira. Na propriedade de Alceu Gatelli, produtor orgânico de Santa Helena a mucuna anã em consórcio com milho obteve bom resultado.

Figura 3. Aveia preta +nabo pivotante + ervilha forrageira

Figura 4. Mucuna anã em consorcio com milho

Exemplos de uso de PD na integração lavoura com pecuária

Principalmente durante o desenvolvimento das plantas de cobertura de outono/inverno é possível utilizar estas áreas para pastagem dos animais (sistema de integração lavoura/pecuária), como é o caso no uso das aveias (preta e branca, centeio, ervilhacas, etc.). Assim, após o pastejo, os animais são retirados da área (diferenciação) e posteriormente as plantas voltam a crescer e produzir biomassa favorável e desejável para cobrir e proteger o solo, continuando assim com a seqüência das culturas de verão: soja, milho, etc.

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